quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Porque eu NÃO curto Montessori - parte III

Pois bem, eu tinha prometido terminar antes, mas a semana tem sido bem agitada por aqui, iniciei um processo de desfralde e estamos pensando só em penico o dia todo, rs ;) Conversa para um outro post (ou uma série deles, ehehehe). Penico, cocô e xixi à parte, meu viés para não aceitar a teoria montessoriana, como indiquei no primeiro post, é a abordagem sócio-histórica que, em Psicologia, tem Vigotski como principal representante (cabe destacar que o autor é marxista e segue todos os pressupostos do materialismo histórico-dialético). O principal elemento que Vigotski traz é a noção de nossa constituição é completamente social e histórica...para ele, natural é aquilo que é típico da espécie; no caso de processos psicológicos, existem aqueles que são básicos e, portanto, naturais, como: atenção básica (todo bebê 'prestará' atenção a um objeto que passe diante de seus olhos), memória básica, resolução de problemas práticos (por exemplo, puxar um fio para puxar uma chupeta), algumas reações emocionais primárias, entre outros. Outros processos (que ele chamou de "processos psicológicos superiores"), entretanto, são tipicamente humanos, desenvolvem-se apenas na nossa espécie e se constituem histórica e socialmente, como: capacidade de planejamento, resolução de problemas complexos, processamento superior de memória, pensamento verbalizado, sentimentos, hipotetização, enfim, tudo aquilo que nos diferencia dos animais. Marx, sobre isso, diz que o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que o arquiteto pode criar uma obra na sua mente antes de materializá-la , ao passo que a abelha não. Como estou com penicos rondando a minha mente, poderíamos dizer que fazer xixi e cocô é natural; mas, onde fazer é social...

Então, vejam...as habilidades que Montessori advoga como naturais são, na verdade, sociais, e MUITO sociais. E, por serem sociais, precisam de intervenção para aparecer, seja de que tipo for. A partir do momento que você deixa algo surgir 'espontaneamente' você está, na verdade, deixando a cargo de 'alguém' a intervenção. Aí que está o nó, esse 'alguém', obviamente, vai ser quem detém o poder, quem detém os meios de divulgação do conhecimento, e nada disso é natural. Pensemos em um exemplo simples: digamos que você ensine em uma escola de periferia, advoque pela necessidade de se usar o cotidiano do aluno, e aquele monte de coisa que alguns teóricos educacionais defendem. Se você vai ensinar Música, e começa a utilizar as coisas que o aluno escuta, inevitavelmente ficará diante de uma turma em que 99,9% dos alunos escutam as músicas que estão na mídia. Ok, você pode estudar ritmos, tonalidades, um monte de outros temas...mas você está tirando dos seus alunos a possibilidade de saber ALÉM disso, de intervir efetivamente e apresentar outras possibilidades. Se legarmos à espontaneidade a tarefa de desenvolver determinadas habilidades, estamos, na verdade, dando a um outro o poder de intervir. Quem é que ganha com a espontaneidade e a suposta naturalidade de alguns processos/habilidades? Sem dúvida não é aquele seu aluno de periferia que estará condenado ao seu meio, ao seu cotidiano, sem que se dê a possibilidade de superá-lo...

Juntamente com estes elementos surgem argumentos de meritocracia, da individualidade, do sujeito como única fonte, única possibilidade de crescimento. Ora, se tais habilidades surgem naturalmente ao darmos um ambiente propício, se elas espontaneamente aparecem, se o sujeito tem autonomia para buscar seu próprio crescimento/desenvolvimento, então, qualquer falha é culpa do indivíduo. E aí você em uma conversa informal escuta alguém dizer que aquele Fulaninho, pedindo dinheiro no semáforo, só está ali porque não se esforçou o suficiente, que ele poderia trabalhar honestamente, estudar e vencer na vida. Aí citam exemplos daquele cara, tipo o Sílvio Santos, que era camelô e hoje é bilionário, dono de uma emissora de TV...e eu pergunto: quantos camelôs têm realmente a possibilidade de se tornar um bilionário? É muito inocente acreditarmos que somente o esforço individual é responsável pelo desenvolvimento do indivíduo...exclui-se, esquece-se que nós somos constituídos social e historicamente, nossa natureza é social!

Pois bem, só isso para mim já é suficiente para achar a teoria epistemologicamente inadequada. Isso não quer dizer que eu ache ruins algumas estratégias tipicamente montessorianas (lembram que estratégia é diferente de concepção epistemológica?). Logo, parece razoável aceitar que os ambientes para bebês sejam adaptados ao seu tamanho, por exemplo, de modo que eles tenham autonomia para explorar o espaço...isso é uma estratégia, muito válida, por sinal, mas não me faz montessoriana, não me faz aceitar os pressupostos teóricos da autora. Percebem a diferença? O fato de eu dar aula expositiva também não me faz uma professora tradicional. O fato de eu utilizar reforços em alguns momentos não me faz uma behaviorista. Por isso eu curto os cantinhos de leitura que a galera faz, os quartinhos adaptados, mas eu NÃO aceito que isso é suficiente, eu intervenho ativamente, eu busco humanizar a minha filha, ofereço a ela ferramentas, instrumentos que eu já domino - por ser um membro mais habilidoso no uso deles (leia-se: já sou humana, no sentido de possuir processos psicológicos tipicamente humanos), entendo que as aprendizagens oferecidas proporcionarão desenvolvimento, não o contrário! E é por isso que eu não curto Montessori... ;)

Um comentário:

  1. Geovana!! Concordo com vc. Uso mutia coisa de Montessori em minha casa com os guris. Não vou enumerar e nomear aqui o que uso ou não, mas outro dia estava conversando com a Ju sobre o exagero dos "neomontessoreanos" e também do método em si e como ele se torna irreal e limitador. Nenhuma proposta/método em si é perfeito e nenhum tem aplicabilidade para 100% das crianças... É preciso tato, mudar estratégias tantas vezes, reconhecer a forma que nossa criança aprende melhor... E sempre oferecer mais opções, sim! Intervir, quadno preciso... Amei o texto (os textos). Bjo!

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