domingo, 29 de dezembro de 2013

Porque eu NÃO curto Montessori - parte II

Pois bem, continuemos... Maria Montessori, educadora italiana, está encaixada na posição inatista-maturacionista que falei no post anterior. Todas as observações que fiz no post são aplicáveis aqui, mas vou repetir algumas delas para afirmar os pontos defendidos pela autora. Basicamente a sua abordagem pode ser sintetizada em três grandes pilares: autonomia, independência e liberdade.

Com relação à autonomia, Montessori destaca a importância de se respeitar o que é próprio da criança, o que é natural e inato. A criança nasce com a vontade de aprender, além de outras características (como amor pelo silêncio, pela ordem), as quais desabrocham entre 0 e 6 anos (ao passo que ocorre a maturação) desde que haja um ambiente adequado para tal. O ambiente adequado, neste caso, é aquele construído especificamente para a criança, atendendo às necessidades biológicas e psicológicas (mobília de tamanho adequado e materiais de desenvolvimento para a livre utilização, por exemplo). Deste modo, o respeito à individualidade, ao que é próprio da criança, torna-se elemento-chave na teoria. É importante lembrar que Montessori elaborou materiais pedagógicos, com base em suas pesquisas e observações, que desenvolveriam nas crianças determinadas habilidades a partir da livre manipulação (o material dourado, por exemplo, permite a aprendizagem das operações de soma, subtração, multiplicação e divisão). Logo, o tal ambiente adequado deve conter tais materiais, os quais seriam cientificamente apropriados para o desenvolvimento das características/habilidades (ahn, isso não soa como uma intervenção e direcionamento de um desenvolvimento que seria natural?).

A independência deve ser vista em duas direções: em algo que deve ser incentivado e que também é, ao mesmo tempo, próprio da criança. O respeito à individualidade, à autonomia, proporcionado por um ambiente adequado ao surgimento de características inatas, vai estimular na criança a independência para se desenvolver por seus próprios esforços, no seu ritmo e seguindo seus interesses. A liberdade, por sua vez, seria permitir à criança livre iniciativa, que ela possa se movimentar livremente, manipular o ambiente ao seu redor de forma apropriada. A junção desses três pilares permitiria dar espaço ao surgimento espontâneo de habilidades/características nas crianças. Espontaneamente as características que são naturais, inatas, surgem. Espontaneamente. Conceito importante...

Bom, apesar dos montessorianos de vera acreditarem na importância de um espaço apropriado, com os materiais desenvolvidos por Montessori, a apropriação teórica destes preceitos foi muito além destes limites. Obviamente que os próprios montessorianos criticam essas implicações, pois enfatizam que o método perde a sua cientificidade à medida que é aplicado de forma "errada". Apesar disso, vemos hoje uma popularização desses três pilares, a "filosofia montessoriana" adentrando os espaços de maternagem e se materializando em quartos, cantos de leitura, adaptação dos espaços da casa, em nome do estímulo à autonomia, independência e liberdade. Respeito à criança, ao seu desenvolvimento, ao que é naturalmente dela. Cada criança é de um jeito, cada uma tem uma personalidade, cada uma é um indivíduo, cada uma deve ser respeitada em sua individualidade e nós, adultos, devemos apenas guiar um processo que é espontâneo e natural.

Sim, eu propositalmente repeti um monte de termos. E provavelmente você aí que está lendo deve estar pensando: "mas, Geovana, isso tudo faz tanto sentido! Como é que você pode não concordar!?"...e um outro lado seu está dizendo "deve ser porque ela gosta de ser do contra" (hehehe, e talvez não estivesse 100% errado :P). Eu separei alguns pontos para discutir, mas vou dar espaço para quem acompanha pensar um pouco, gerar um pouco de conflito cognitivo, e amanhã eu continuo... mua-ha-ha.

(Vou terminar amanhã mesmo, porque estou me coçando para escrever sobre Remoção Gentil, Desmame Noturno e Introdução Alimentar, se o doutorado assim permitir)

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Porque eu NÃO curto Montessori - parte I

Promessas são dívidas. Há algum tempo prometi a algumas amigas escrever sobre o porquê de eu não ser super fã de Maria Montessori, uma pensadora/educadora cujos pressupostos estão moda nos dias de hoje. Quarto montessoriano, cantinho montessoriano, escolas montessorianas, todo mundo tem tentado, de alguma forma, seguir os preceitos da autora e, de alguma forma, isso tem se tornado quase uma ligação obrigatória entre as pessoas que praticam criação com apego. Ou é Montessori, ou Waldorf, não sei qual é o pior (hahaha :P), mas fato é que a filosofia da falsa liberdade e democracia presente na teoria tem retornado com tudo, mesmo ela tendo sido um grande fracasso na História da Educação...e junto com ela retornam os conceitos de escola livre, ganham força as pessoas que buscam a escolarização domiciliar, o pêndulo atinge outro extremo educacional.

Ok, esse monte de coisa que estou falando exigem alguns conhecimentos prévios e confesso que passei um bom tempo pensando em como falar sobre este tema, em quais aspectos focar. Achei que seria interessante falar em três pontos principais: 1) As abordagens ao desenvolvimento e à aprendizagem que existem; 2) os pressupostos montessorianos; 3) o viés de onde falo, a abordagem sócio-histórica. Ainda não sei se vou abordar cada ponto desses de forma isolada, talvez seja impossível, mas vamos ver como a coisa anda... :)
Pois bem, em Psicologia da Educação costuma-se defender que existem três abordagens ao desenvolvimento e à aprendizagem (e suas relações). Cada uma delas traz um conceito geral de aprendizagem, de desenvolvimento e como eles se relacionam; elas nascem de concepções filosóficas anteriores à Psicologia e dão origem/embasamento a diferentes teorias psicológicas e educacionais. Seber (1995) denomina as três posições como: inatista-maturacionista, empirista-associacionista e construtivista (eu, particularmente, prefiro utilizar o termo interacionista, uma vez que o construtivismo faz menção apenas à teoria de Piaget, seus colaboradores e sucessores).  
A posição inatista-maturacionista, como o próprio nome traz, dá uma forte ênfase ao processo de maturação (crescimento e desenvolvimento físico/biológico) e ao que já nasce com o sujeito (que é inato). Deste modo, os defensores desta posição entendem que a criança já nasce com o necessário para o seu desenvolvimento, sendo importante apenas um ambiente propício para que ela "desabroche" e ausência de conflitos. Aprendizagem e desenvolvimento são processos que se confundem, pois eles seriam, de certa forma, naturais, andando de mãos dadas com a maturação. A criança cresce e, havendo um ambiente propício, se desenvolve e aprende. Costuma-se utilizar a metáfora da planta como analogia: uma semente contém todo o necessário para virar uma planta, certo? Entretanto, ela só vira uma planta se for colocada em condições propícias (solo, iluminação, irrigação...). A criança seria essa sementinha, o adulto/professor seria um espectador, alguém que não intervém, apenas propicia um ambiente adequado, resolve possíveis conflitos, mas deixa a criança livre para se desenvolver, crescer. Essa posição está conectada a alguns termos/teorias educacionais: escola livre, escola centrada no aluno, escola nova, escolanovismo...
A posição empirista-associacionista, cuja definição também se encontra no nome, acredita que o indivíduo nasce como uma "tábula rasa" e que os conhecimentos serão impressos ao longo da exposição do sujeito ao meio externo. Aqui o sujeito é reflexo absoluto dos estímulos que recebe e é visto como um ser passivo, que apenas responde a esses estímulos. O desenvolvimento é entendido como uma soma de aprendizagens e a aprendizagem, por sua vez, é entendida como a troca de resposta por uma mais elaborada. Os defensores desta posição entendem que todo o comportamento é aprendido e que o foco deve estar naquilo que a gente pode observar/controlar. Sentimentos, estados internos, subjetivos, são importantes, mas como não podem ser controlados a gente deve observar a situação em que eles surgem, os reforços que eles recebem e a partir daí modificar o meio externo, alterando a nossa resposta em relação ao meio e, eventualmente, o estado interno associado ao comportamento. Aqui funciona, basicamente, o famoso S-O-R (estímulo-organismo-resposta): o sujeito é confrontado com um estímulo, ele responde ao estímulo, e a resposta é fortalecida por um reforço positivo - se a resposta é inadequada ela não é reforçada OU reforçam-se respostas aproximadas à desejada, até que o comportamento seja modelado. Utiliza-se aqui a metáfora da máquina como analogia, uma vez que os dados seriam inseridos, recombinados e, por fim, haveria um output. Dados "errados" geram respostas erradas. Mas, para aproximar da criação, um bom exemplo é a Super Nanny...aqueles quadros de recompensa que ela aplica nada mais são que reforços aos comportamentos desejados (como 'não chorar sem motivo', por exemplo). Essa posição está conectada a alguns termos/teorias educacionais: pedagogia tecnicista, escola técnica, tecnicismo, behaviorismo...
Por fim, existe a posição interacionista, que acredita que os processos de desenvolvimento e aprendizagem são interligados, interdependentes, mas não são os mesmos. O desenvolvimento é muito mais do que aprendizagem, apesar dele ser motivado por ela. Aqui o indivíduo é entendido como um ser constrói ativamente a sua aprendizagem e desenvolvimento, em interação com o meio em que vive, com os objetos de conhecimento e com as pessoas. Não seríamos vítimas da nossa maturação, tampouco reflexos absolutos do meio externo, mas constituídos mutuamente por nossa natureza, meio social e história. Muitos autores colocam as abordagens de Piaget e de Vigotski nessa posição, entendendo que o primeiro dá mais ênfase ao desenvolvimento, ao passo que o segundo daria mais ênfase à aprendizagem. Isso é um debate que fica para outro momento, mas eu não encaixo os dois autores em um mesmo saco (ao menos não mais :P). De qualquer forma, o importante aqui é entender a interação como parte constituinte do sujeito. Termos que podemos encontrar ligados à essa posição (alguns deles são discutíveis ;P): construtivismo, sócio-interacionismo, sócio-histórico...
Cabe ressaltar que cada posição dessas enfatiza uma CONCEPÇÃO psicológica de sujeito e isso é diferente de estratégia! Por exemplo, você não pode, a priori, dizer que a estratégia de dar recompensa faz de uma pessoa um 'empirista-associacionista'. Você pode desconfiar, por ser uma estratégia característica daquela posição, mas o que vai dizer qual concepção de um professor/educador é o porquê dele utilizar aquela estratégia, pois as situações de aprendizagem são planejadas em função de uma concepção de aprendizagem, né? Você só ensina algo do jeito que você acha que a pessoa vai aprender, afinal, para que ensinar se não for para aprender? ;) Trocando em miúdos: se eu acho que alguém aprende por repetição/memorização, vou passar um monte de exercícios similares; agora, passar um monte de exercícios é uma estratégia, que pode ser utilizada por outras abordagens, e a 'aprendizagem como processo de associação/repetição' seria a concepção de aprendizagem. Isso vai ser bem importante quando eu for pontuar os elementos da teoria montessoriana na parte II...e, vai ficar para amanhã, porque cansei por hoje :D

domingo, 8 de dezembro de 2013

Com a palavra: a professora

Todo mundo tem alguma coisa para falar de um professor. Ou temos alguma linda história sobre aquele super professor que nos motivou, que foi um exemplo; ou temos uma história sobre o pior professor do mundo, aulas chatas, etc, etc, etc. Mas, obviamente que quando estamos do outro lado tudo muda (nos tornamos, inclusive, alunos melhores), começamos a não mais pensar nas histórias de professor, passamos agora a ter 'causos' de alunos! Eu cataloguei, até agora, nove tipos de aluno:

1) O enrolão: esse é super conhecido, é aquele aluno que sempre tem as melhores desculpas para tudo. Está deprimido, perdeu o ônibus, ficou doente, a mãe ficou doente, pegou muita fila, teve dor de barriga, está sempre cheio de coisas para fazer (que, obviamente, não incluem as atividades da sua aula). Isso por si só já seria ruim o suficiente se o enrolão não fosse SEMPRE o que mais reclama em sala de aula. Reclama da vida, das avaliações, da aula - reclamações que são feitas sem nenhum fundamento, visto que ele aparece na aula uma vez a cada 15/20 dias.

2) O chato: esse pode ser uma derivação do enrolão, mas às vezes acontece de vir separado. O chato é aquele que sempre tem um exemplo para dar da sua vida pessoal, que participa das aulas apenas para dizer que participou, porque 99% das vezes os comentários não tem relação nenhuma com o que está sendo dito. Você pode, por exemplo, estar falando do desenvolvimento infantil, de habilidades motoras, e o chato diz "eu subia em árvores quando tinha 9 meses". Normalmente os comentários vem acompanhados de uma 'cara de paisagem' do professor, com ou sem a frase "ok, fulaninho". O chato SEMPRE está com a mão levantada, e aos poucos começa a ser ignorado pelo professor, quando não leva cortada no meio da frase pra evitar que a aula perca meia hora com divagações irrelevantes.

3) O que pensa que sabe: eu não curto muito esse tipo. Esse aluno é aquele que, em geral, sempre foi bem sucedido na escola e pensa que sabe sobre tudo, fica irritado quando é contrariado. Ele quer sempre agradar o professor, por isso, costuma mudar bastante de ideia quando suas ideias são contrapostas. É o aluno que pede silêncio, quer aparecer a todo custo. Muitos professores adoram estes alunos, porque são confundidos com os nerds, mas eu, particularmente, não.

4) O esforçado: esse aluno não é o mais inteligente e com certeza não é o aluno que tira as melhores notas, que escreve melhor, mas é aquele que quer aprender. Ele sempre tira dúvidas em particular (não tenta aparecer na sala, como o anterior), faz todas as atividades, pergunta como pode melhorar e tenta absorver todas as sugestões. Em geral são os alunos que mais se desenvolvem. Gosto muito deste tipo, afinal, é prazeroso ensinar a quem quer aprender, né?

5) O bagunceiro inteligente: como o próprio nome diz, ele bagunça, conversa, mas sabe muito. É o tipo de aluno que tem raciocínio rápido, consegue fazer relações interessantes entre os assuntos, sabem se expressar bem, debatem/discutem, sempre conseguem se safar quando são chamados por estarem perturbando o andamento da sala. Gostam de aparecer por comentários/sacadas engraçadas/sarcásticas/irônicas, mas não pela inteligência. Não tiram notas melhores simplesmente porque não querem. (eu fui esse tipo de aluna)

6) O inteligente: para mim, esse é o verdadeiro nerd. Sabe muito, estuda muito, entende tudo, mas não se manifesta em sala. Não quer aparecer de jeito nenhum, somente se for obrigado. Tira notas excelentes, compreende todas as orientações, se irrita quando os colegas ficam batendo na mesma tecla, mas não manifesta a irritação para a sala. 

7) O bagunceiro: geralmente esse é o primo pobre do bagunceiro inteligente. Primo pobre por quê? Simples. Ele não tem facilidade como o outro tem, sente uma dificuldade absurda, mas anda sempre com o bagunceiro inteligente, então, bagunça e termina sendo prejudicado por isso. Geralmente foram alunos que não tiveram atenção no percurso escolar, foram acumulando dificuldades chegando em um ponto difícil de reverter. O acesso a eles não é fácil, apresentam uma barreira para o professor, mas ela pode se quebrar mostrando acolhimento à dificuldade instalada, que eles não assumem.

8) O trabalhador esforçado: esse trabalha o dia todo e estuda a noite; ou trabalha durante toda a madrugada e estuda de manhã; tem família para sustentar, ganha pouco, morre trabalhando e por isso sempre tem dificuldade em acompanhar. Em geral, diferente do aluno do tipo esforçado, ele simplesmente aceita a situação de 'não-aprendizagem' e espera para ver no que vai dar. Não condeno esse tipo, de jeito nenhum, pois entendo perfeitamente que as necessidades básicas estão em primeiro lugar. Esse é o tipo que gera muita angústia em um professor, porque não se sabe até que ponto é possível deixar o processo ensino-aprendizagem mais flexível, de modo que não seja injusto com o restante dos alunos.

9) O que não fede e nem cheira: sempre tira notas medianas, suficientes. Não fala nada em sala de aula, senta nas laterais, para fugir um pouco da visão do professor. Não conversa, não bagunça, não estuda, ninguém sabe na verdade qual é a real dele. Esse aluno é aquele que você nunca vai aprender o nome (ou vai ser o último que você decora) e que sempre que alguém perguntar por ele você vai fazer aquela cara de 'hein? quem é esse!?'. Você ainda faz chamada por causa dele, já que nunca sabe quem é.

Provavelmente os alunos não se sintam encaixados em nenhum desses estereótipos. Eu digo que isso é recalque (hahaha, pra ficar na modinha). E você, que tipo de aluno é/foi?

O dia que me senti fazendo parte da História

Eu devia ter escrito este post no dia que eu fiz parte da História, dia 05 deste mês, mas ando completamente atolada de compromissos - para variar - que acabei não conseguindo cumprir a minha missão. Quando fui convidada para ir a um casamento senti um misto de alegria e orgulho. Natural, quando há uma relação de proximidade, amizade envolvida; mas o sentimento foi aumentado por ser o casamento de duas amigas minhas (entre si, se é que alguém não entendeu)! Para mim, a questão não é discutir a falência da instituição casamento, ou a fragilidade que ela se tornou, ou, mais ainda, a superficialidade envolvida em muitos deles, mas ressaltar a possibilidade que TODOS tenham direito a celebrar o amor da forma que melhor os convier. 

Eu tenho bastante preconceito com religião  e as impossibilidades CRIADAS por ela. Não consigo aceitar instituições ditando regras que naturalizam comportamentos sociais. Casamento é social e, por ser assim, pode ter o seu formato modificado, transformado. E o nosso Estado, supostamente laico, durante tanto tempo lançando barreiras sobre algo que não fazia sentido nenhum! Casamento civil não é a união de duas pessoas que, perante a lei, começam a ter regras, direitos e deveres? Ora, então por que duas pessoas do mesmo sexo eram impedidas? Simples, porque apesar da nossa Constituição ditar laicidade, nosso Estado está longe de ser laico e é cristão, muito cristão... Isso me incomoda profundamente, é um absurdo que as pessoas não possam garantir os direitos dos seus entes queridos diante da lei por um impasse puramente religioso (não que eu seja a favor da lei, mas se ela existe, todo mundo deveria ser contemplado, não?). 

Discussões à parte, não vim defender meu ponto de vista sobre a questão, quinta-feira passada pude presenciar um amor de 9 anos sendo celebrado em um casamento. Senti um nó na garganta quando o juiz perguntou do desejo real, senti que estava se traçando ali uma possibilidade de mudança, senti que estava vivenciado, criando História. Sonhei por alguns segundos com o futuro, imaginando minha filha adulta, andando pelas ruas com tranquilidade, ao lado de casais homossexuais, casais heterossexuais, relações de outras ordens, relações que são o que são porque funcionam, independente do rótulo que levam (desde que seja, obviamente, o desejo daqueles que as vivem), sem que isso cause medo, raiva, estranheza, vergonha...sonhei com ela vivendo em um mundo que as pessoas podem ser simplesmente o que elas são e sejam respeitadas, aceitas. Sonhei por alguns segundos, mas foi tempo suficiente para perceber o quanto ainda temos que mudar, que ainda há muito espaço para crescimento, desenvolvimento, e eu pretendo, na medida do possível, fazer parte desta História e (tentar) ajudar a minha pequena a crescer um pouco mais livre das amarras que tanto nos imobilizam até mesmo a pensar. E que assim seja!

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Capítulo I - Das coisas que a gente aprende

Para mim o problema sempre foi começar. Começar coisas diferentes implicam mudanças e eu nunca fui preparada para elas. Tenho clara lembrança da minha infância e do sentimento de efemeridade que se instalou em mim. Sou filha de militar e, apesar de não ter me mudado tanto quanto meus pais, ou até mesmo a minha irmã mais velha, fomos criadas como se sempre estivéssemos na iminência de ir a algum lugar. Quando comprávamos algo e vinha uma caixa com papelão grosso meu pai sempre guardava, dizendo o quanto ela era boa para mudança. Minha mãe, então, sempre propagava o mantra que não queria criar vínculos, não queria se apegar, para não sofrer com a mudança (que, na verdade, ninguém sabia quando viria ou se viria). E assim fomos crescendo, tentando não criar vínculos fortes, vivenciando a superficialidade de relações que estavam fadadas a terminar. 

Constatar, depois de 29 anos, que nunca estive "inteira" em uma relação foi algo muito forte para mim. Parece que depois de todo esse tempo eu sigo vivendo - apesar de já ter a minha própria vida definida - como a mesma garotinha que não devia se apegar, se entregar, para não sofrer, como se sofrimento não fizesse parte da nossa existência. E minhas amizades se constituíram dessa forma, em uma neutralidade assustadora até para mim, em uma falta de envolvimento da minha parte que me marcaram profundamente. Percebi-me assim. E, assim, percebi-me sozinha. Pior, percebi que tenho medo de encontrar comigo mesma, de enfrentar essa essência que se envolve, que se apega, que sofre... Por essas e outras vivi sempre em função dos outros, de agir em função do que os outros esperavam de mim (ou que eu achava que esperavam), ao ponto de nem saber mais o que é meu, de fato, e o que é dos outros. Passei a me cobrar por tantas coisas, um desgaste emocional constante, uma dificuldade em simplesmente "ser eu". 

Estou vivendo isso, descobrindo e aprendendo. Tenho (muitos) limites que não podem ser ultrapassados sem sofrimento - às vezes inútil - e que começo a entender que são meus, fazem parte de mim, e tenho que aceitar alguns, ao mesmo tempo que procuro mudar outros. A opção por me desfazer de uma ferramenta que estava se tornando o símbolo da efemeridade e da fuga de mim mesma foi essencial para essa mudança. Relações de segundos em "uma curtida", um saber tanto e não saber nada das pessoas que ali convivem. Por quê? Para quê? Sinto que ali estão todos sozinhos, vivendo a vida através de um artefato, por falta de tempo, por preguiça, por comodidade, por facilidade, por milhões de motivos estão todos ali...e eu resolvi cultivar outras coisas, nem que esse cultivo seja apenas aprender a tolerar a mim mesma, profundamente, significativamente. Sei e entendo que isso é mesmo algo somente meu, uma percepção minha, mas só de escrever que isso é meu já fico feliz; feliz por agir pelo que eu sou e pelo que eu quero ser. Quero me entregar à minha vida e à vida dos que me rodeiam, não apenas "curtir" momentos efêmeros (ponto para a maternidade!). Sei que viver efemeridades também pode ser significativo, mas essas eu já vivi bastante. Quero conhecer e ser conhecida. Quero saber viver no meu caos. Quero aceitar mudanças. Quero aprender a "ser eu". Estou, finalmente, me permitindo aprender...